Quando desafivelei os cintos e me joguei lá do alto, a impressão era a de estar caindo rápido demais. Num primeiro momento, bateu o arrependimento, o desespero. Era nítida a sensação da morte iminente.
Cheguei a procurar, por um instante, onde me segurar, e nada encontrei. Mas eu tinha asas, das quais nem me lembrava mais. Tímidas, não viram outra alternativa senão se abrir, num reflexo instintivo: a luta pela sobrevivência. No início, bateram com dificuldade, afinal, estavam atrofiadas pelos anos inertes.
Porém, logo recuperei o equilíbrio. Passada a tontura inicial, planei por alguns instantes até me estabilizar. E quando recobraram a vitalidade e a autoconfiança, estas asas passaram a bater vigorosamente. Não demorou muito até que me arriscasse a alçar voos cada vez maiores.
E a cada nova subida, a cada aceleração, uma nova emoção, uma nova descoberta. Experimentada a liberdade plena, é cada vez maior o ímpeto de voar mais e mais alto. Entre loopings e manobras cada vez mais arriscadas, até brinco de dar uns rasantes, mas não tenho o desejo de aterrissar. A terra firme já me parece monótona demais, parada demais. O frio na barriga se tornou uma necessidade.
Tenho gostado de ver tudo do alto, de ir de um lado para o outro sem rotas pré-estabelecidas, sem obstáculos no caminho. Tenho encontrado paz ao olhar para o infinito e sentir o vento no rosto.
Tenho conhecido paisagens encantadoras, assistido a pores-do-sol inigualáveis e observado como tudo parece tão miúdo lá de cima.
Se um dia vou querer voltar? Não sei. Quando me libertei das travas de segurança, me livrei também das certezas, que pesavam como chumbo em meus pés e me ancoravam a um conforto ilusório e sufocante.
*Trilha sonora para este texto: Queen – Spread Your Wings