Sobre faxinas e memórias


O dia da tão adiada faxina chegou. Sem mais desculpas, em meio à bagunça das mudanças, comecei a revirar a montanha de livros antigos que jaziam guardados num canto abandonado do armário. Cheguei a rir de algumas coisas que encontrei. “Por que eu guardei isso por tanto tempo?”, eu me perguntava, a cada nova “surpresa” que achava no meio daquela pilha de livros, cadernos e papéis.

Consegui eliminar pelo menos 70% das coisas que guardava. Bom para mim, que ganhei mais espaço, e bom para as crianças que receberão a doação dos livros.

É curioso revirar gavetas antigas. Um misto de estranheza e identificação até deixa a gente perturbado. No meio de tudo aquilo que estava ali guardado, por vezes senti-me como se estivesse visitando um museu de mim mesma — porém, influenciada pelo esquecimento, como se fosse espectadora, e não protagonista.

Outras vezes, em meio a tantos papéis dispensáveis, encontrei algumas coisas que me despertaram certa nostalgia e reavivaram memórias adormecidas. Uma das “redescobertas” foi a coleção de papéis de cartas — que não eram, de fato, usados para escrever cartas —, reminiscências de uma infância de “menininha”. Lembrei de como ficávamos fissuradas, eu e minhas amigas, colecionando e trocando aqueles papéis. Acho até que entendi como os meninos se sentiam completando o Álbum de Figurinhas da Copa do Mundo.

Ali, naquela confusão, fui remontando na memória partes da minha própria história. Documentos da escola, desenhos, pôsteres e revistas de uma bandinha da qual era fã na adolescência… muito daquilo já não significa mais nada para mim, mas trouxe uma sensação gostosa de recordação, de lembrar quem eu fui e analisar como me transformei no que sou hoje.

Deparei-me com verdadeiras relíquias, que, de uma forma ou de outra, compõem a minha complexa existência. Entre elas, eu destacaria as fotos, da época em que não existiam câmeras digitais e todas tinham de ser reveladas, tornando-se, obrigatoriamente, retratos fiéis de momentos que não foram feitos para ser esquecidos.

Passo a passo, a limpeza foi se tornando não um trabalho exaustivo, mas um momento íntimo de redescoberta. Já nas coisas mais recentes, encontrei calhamaços de fotocópias de livros e pesquisas usadas durante a faculdade, a pesquisa de opinião do Trabalho de Conclusão de Curso e um bilhete, trocado com a melhor amiga durante uma aula qualquer. E tudo deu muita saudade. Porém, esses fragmentos do passado também me ajudaram a entender melhor o presente e me proporcionaram uma boa sensação de (parte do) dever cumprido.

Ao final da faxina, cheguei a algumas conclusões interessantes. A primeira foi a de que eu tenho quase uma obsessão de guardar coisas inúteis, como se eu fosse precisar delas algum dia — mas o fato é que nunca precisei de 90% de tudo que estava lá. Também percebi que sou muito apegada ao passado, à história, aos detalhes. E nem sempre de uma forma saudável.

Mas, acho que a principal lição que eu tirei desse momento foi: uma triagem nas tralhas antigas de vez em quando faz bem não só ao ambiente, mas também à alma, encerrando, cada qual ao seu tempo, ciclos que precisam terminar, para que outros comecem.


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