Míope


Tiro os óculos para enxergar fora de foco. Porque ver o mundo excessivamente nítido passa a sensação de saber exatamente como as coisas são. Ledo engano. O excesso de confiança – neste caso, na visão – conduz à arrogância, que, ocasionalmente, distrai. Daí advém o paradoxo da visão perfeita que leva à cegueira.

Então, aproveito a miopia para apreciar um universo borrado. Abro mão de observar as formas, cores e contrastes em alta definição para explorar outras percepções. Dou a oportunidade de os outros sentidos se aguçarem. Permito-me usufruir da bênção do (quase) desconhecido.

Ao lançar o olhar ao infinito, ignorando o que se exibe em primeiro plano, distraio-me do que os cenários cotidianos tentam impor. Direciono a atenção a um ponto qualquer no meio do nada. Descubro conforto na distorção dos cenários.

Não vou aposentar os óculos, nem jogar fora as lentes de contato. Não quero permanecer com a visão turva o tempo todo. Apenas o período necessário para conseguir encarar novamente o mundo ao meu redor, com todas as suas nuances, belezas e deformidades.

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