Se estas paredes falassem


Se estas paredes pudessem verbalizar tudo o que testemunham… Se não fossem tão passivas e discretas… Se tivessem olhos e ouvidos…

Se elas pudessem falar de todas as vezes em que vaguei, de um lado para o outro, buscando um significado para as tardes quentes ou para as noites frias…
Se revelassem à multidão todas as lágrimas que derramei e enxuguei sozinha…
Se enumerassem as noites de insônia e os dias de completa reclusão…

Se finalmente revelassem o que se esconde por trás dos quadros alegres…
Se confrontassem essas meias-verdades emolduradas e cuidadosamente alinhadas…
Se protestassem contra minha mania de querer colorir o que muitas vezes precisa ser preto-e-branco…

Se delatassem o número de taças quebradas e garrafas vazias…
Se implorassem para não mais ouvir as mesmas músicas e lamúrias exaustivamente repetidas…
Se resolvessem desmascarar minhas frases ensaiadas…
Se apontassem minhas obviedades…

Se depusessem contra mim nas brigas e crises…
Se pudessem se manifestar sobre minhas fraquezas e recaídas…
Se comentassem minhas faltas e excessos…
Se expusessem, sem piedade, meus pecados inconfessáveis…
Se propositalmente se esfacelassem, me largando desprotegida…
Se desistissem de ser intransponíveis e me forçassem a me expor…
Se me torturassem com as verdades que não consigo admitir…

Se minimizassem meu drama, esfregando na minha cara sua própria solidez, quando eu é que me achava inteiramente quebrada…
Ah… As paredes… Minhas silenciosas confidentes…
Se disparassem tudo o que sabem contra mim e me deixassem completamente nula de argumentos…
Se estas paredes falassem, talvez já tivessem me alertado há muito tempo de que uma rachadura ou outra não seria capaz de derrubar minha estrutura e que eu não ruiria assim tão fácil.
Se elas escolhessem me aconselhar, provavelmente já teriam me ensinado – e dando exemplo – que nós precisamos ser sólidos, pois a vida já é abstrata demais.

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