Ontem à noite, faxinando as gavetas, encontrei uma carta que você me escreveu logo que nos conhecemos.
Eu tenho saudade de quando você me escrevia cartas.
Eu gostava daquelas cartas que você redigia no meio da aula na faculdade, por pura ansiedade, por não conseguir esperar para me dizer do seu afeto. Eu gostava mais ainda do fato de, em meio a tantas teorias e cálculos, você encontrar tempo para me dizer aquelas coisas bonitas, e de um jeito tão singelo.
Gostava da sua caligrafia. Por mais feia que sua letra fosse, eu me deleitava com o desafio de decifrar os seus garranchos.
Era como se eu conseguisse sentir sua respiração em cada início de frase, onde você sempre pressionava a caneta com mais força, como se estivesse pegando fôlego para me dizer tudo o que urgia em ser dito.
Eu gostava de reparar como os traços sempre ficavam mais tremidos quando você escrevia uma letra de música que lembrava de mim. Como se as palavras saíssem no ritmo em que pulsava seu coração.
E gostava de imaginar seu meio-sorriso enquanto escrevia. Aquele, de cantinho de boca, que sai espontaneamente quando você está, na verdade, tentando parecer sério.
Eu achava graça por você usar aquela caneta-tinteiro pomposa e gostava de observar como você retirava as rebarbas da folha de caderno, porque você sempre errava e rasgava um pedacinho no canto. E gostava até do aspecto meio amassado do papel, que repousava no seu bolso esperando a hora de você me entregar. Eu conseguia sentir um toque do seu perfume nele, embora você sempre tenha achado que isso era coisa da minha cabeça.
Eu gostava mesmo de quando você me escrevia cartas.
Elas eram a forma mais carinhosa que você encontrava para se expressar.
Talvez, seja disso que, no fundo, eu tenho mais saudade. Mais do que de quando você me escrevia, eu tenho saudade de quando você se expressava.