Se eu fosse morrer amanhã


morrerSe eu tivesse certeza de que morreria amanhã, não saberia nem por onde começar a fazer tudo aquilo que deixei para depois, que adiei para quando tivesse tempo. Ou vontade. Ou coragem.

Mas, se de alguma forma fosse possível saber com certeza que este seria meu último dia na terra, eu provavelmente me obrigaria a tomar umas últimas providências.

Creio que a primeira delas seria dizer para a minha família o quanto eles significam para mim e que eu gostaria de ter sido melhor para eles em tantas oportunidades. Mas pediria que não sofressem tanto e que ficassem com a consciência tranquila, porque eles são e sempre foram muito mais maravilhosos que qualquer coisa no mundo.

Também dedicaria algum tempo para dizer algumas palavras para os meus amigos, provavelmente com alguma piadinha para aliviar um pouco o momento. E pediria que bebessem uma cerveja em minha homenagem.

Se ainda sobrassem forças, acho que seria digno ligar para alguns antigos desafetos e pedir perdão. Ou perdoar. E dizer que, no fim das contas, não faz (mais) diferença de qualquer maneira.

Vencidas essas etapas sentimentais, seria a hora de, creio eu, resignar-me e degustar pela última vez minha comida favorita e ouvir uma boa música. Talvez também abrir um vinho caro. Por que não?

E quando chegasse a hora, provavelmente teria de assistir àquele tal filme que dizem que passa diante dos nossos olhos na hora da morte. Acho que eu ia gostar do resultado, embora algumas coisas tenham ficado pendentes do meu roteiro original.

O fato é que, se eu tivesse certeza de que morreria amanhã, certamente aproveitaria muito melhor o dia de hoje e só dispenderia meu tempo e energia com o que de fato importa. Em outras palavras, viveria a vida muito mais plenamente e profundamente.

Mas eu não sei se vou morrer amanhã ou daqui a 50 anos. Ninguém sabe. E embora a morte seja a única coisa certa na nossa existência, a gente continua levando a vida de qualquer jeito. E vai deixando de viver intensamente. E vai largando tudo não dito, não feito, não resolvido. E segue fingindo que não há urgência, e assim vai adiando essas providências importantes pra quando tiver tempo. Ou vontade. Ou coragem. E provavelmente nunca encontra a hora certa de resolver essas pendências.

Porque o maior castigo da condição humana é justamente saber que vamos, sim, morrer, mas não termos a menor noção de quando fecharemos os olhos pela última e definitiva vez. E às vezes acabamos não tendo esse final bonito, ou sequer uma despedida sincera – nem dos outros, nem de nós mesmos.


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