Você me vê por aí, desfilando de salto alto com essa cara de quem pode tudo, jogando os cabelos ao vento sem titubear, abrindo largos sorrisos pra qualquer um que me diga bom dia. E, por isso, você me acha interessante.
Você gosta do meu papo, porque eu falo de literatura, de cinema, de política, de putaria, transitando com naturalidade de um assunto pro outro. E isso, aos seus olhos, faz de mim uma pessoa interessante.
Eu estou sempre rodeada de amigos e nunca me falta companhia pro final de semana. Eu frequento cafés, teatros, bares e estádios de futebol, e você acha o máximo que eu seja tão culta e descolada ao mesmo tempo.
Eu tenho uma posição importante na empresa, dirijo meu próprio carro e sei escolher vinhos como ninguém. Você olha de fora e acha tudo isso incrível.
Mas, não se engane. Eu não sou interessante.
Tudo isso tem um preço. E o contraponto de toda essa aura de sofisticação é quando o meu verdadeiro eu, bem menos colorido e muitas vezes melancólico, se revela.
O que você não vê, afinal de contas, são os dias que eu passo de pijamas sem a menor vontade de interagir com qualquer outro ser humano. Os dias em que eu deixo de tomar café da manhã por absoluta falta de disposição de me deslocar até a padaria.
O que ninguém vê são as caixas de lenços que eu gasto chorando durante a TPM. Ou durante um filme qualquer da lista de dramas do Netflix. E as pilhas de livros se acumulando na cabeceira porque em meio à frustração da insônia eu me desinteresso por todos.
E também, vou te contar, não tem nada de glamouroso na minha mania de beber água no bico da jarra e de usar meias com chinelos. Muito menos no meu terrível hábito de fumar na janela da sala.
Você também não vê as horas que eu passo olhando pro celular, pensando se devo ou não mandar uma mensagem, e acabo sempre desistindo e me sentindo ridícula no final. E nem imagina o quão deprimentes são as poucas músicas que eu ouso inventar no violão.
Sabe… No fundo, no fundo, aqui da porta pra dentro eu sou só mais uma pessoa qualquer, cheia de medos, frustrações, instabilidades de humor, problemas psicológicos não resolvidos e uma pia cheia de louças pra lavar. De perto, nada é tão belo ou glamouroso, não é mesmo?
Portanto, não se engane com essa que você vê por aí. Ela pode até ser interessante. Mas eu não sou.
Não adianta só fugir e criar barreiras. As pessoas gostam uma das outras também pelo o que são e não somente pelo o que aparentam ou gostariam de transparecer. Cada um com seu cada um, e as pessoas também devem aprender a lidar ( não necessariamente gostar) do que cada um é em sua essência.