Chovia. Mas, saiu de casa de óculos escuros mesmo assim. E sequer se importou com os olhares de estranheza na rua.
Na verdade, se preocupar com a opinião alheia não era algo que tomava muito de seu tempo mesmo.
Não que ela se julgasse acima do bem e do mal, mas estava sempre tão absorta em seus pensamentos, em sua realidade paralela, que o mundo ao redor mais parecia um filme do qual ela às vezes sequer era espectadora.
Caminhava pelas calçadas encharcadas como quem passeia num shopping. Leve, despreocupada, destoante do cinza que predominava tanto nos prédios quanto no céu. Nem mesmo aquele clima melancólico e aquele mau humor que paira no ar às segundas-feiras abalavam sua graciosidade.
Parou numa esquina movimentada, esperando o sinal fechar, para atravessar a rua, e acabou se entusiasmando com um hit dos Cranberries que tocava em seus fones de ouvido. Nem se deu conta, mas já cantarolava Free to Decide em alto e bom tom.
Novamente, parecia blindada aos olhares e juízos externos. O mundo a julgava por estar cantando na rua. Ela nem percebia.
Chegou à cafeteria para pegar um espresso duplo pra viagem, como de costume. Tirou apenas um dos fones de ouvido para falar com a atendente e, enquanto esperava ao lado do balcão, algo a deteve. Alguém ao seu lado murmurava a música que saía do fone solto – desta vez, era Bowie.
Virou-se rapidamente e viu o rapaz engravatado parado atrás dela. Ele, por sua vez, nem se moveu. Ela não conseguiu constatar se ele olhava para ela, afinal, ele também usava óculos escuros.
Voltou-se novamente ao balcão, onde a atendente já lhe estendia o café. Pegou o copo, pagou e seguiu seu caminho.
Esboçou um leve sorriso, todavia, antes de embarcar no ônibus. Afinal, nem todas as segundas são feiras, mas algumas são intenções.