O apartamento, minúsculo, de um único quarto, ficava bem no centro da cidade. Suas janelas não tinham vista, exceto para o paredão do prédio ao lado. Coisas de capital.
Mas era possível saber como o mundo lá fora rodava, simplesmente pelos barulhos.
Antes das 8h da manhã, o trânsito já era pesado. Ao longo do dia, ouvia-se de tudo, desde sirenes até o carro do sonho.
Mesmo à noite, aquelas ruas eram movimentadas. Os jovens que por ali caminhavam não faziam a menor cerimônia em falar alto, e rir, e curtir a vida.
Às duas da manhã, um cachorro latia, e despertava uma sinfonia na qual todos os outros cães da vizinhança o acompanhavam.
Com o passar dos meses, os barulhos tornaram-se normais. Ela nem os percebia mais.
Além do mais, ela não se contentava em saber da cidade apenas pelas janelas.
Gostava de explorar a cidade. De perder-se sem o GPS e experimentar a sensação de vitória ao encontrar-se novamente. Sentia-se cada vez mais parte daquele lugar.
Gostava de caminhar sem pressa, absorvendo todas as cores e aromas, observando os prédios e sentindo o vento em seu rosto.
Satisfazia-se até mesmo em ir à quadra ao lado buscar pão.
O apartamento não era bonito, tampouco bem decorado. Mas era seu refúgio, seu novo mundo, seu lar.
Ali, naquele minúsculo apartamento no coração da enorme cidade, ela passou por transformações profundas. Nenhum de seus dias foi sem significado.
Aprendeu sobre amor, sobre amizade e sobre traição. Descobriu que ingenuidade não tem lugar na selva do mundo real.
Deixar aquele lugar foi uma das coisas mais dolorosas que teve de fazer. Porque ainda havia tanto para ser vivido, tanto para ser experimentado.
As lágrimas que rolaram no caminho de volta até hoje não secaram. Diminuíram, como uma torneira que, apesar de fechada, de vez em quando ainda pinga.
Mas as lembranças de tudo o que foi e do que poderia ter sido no apartamento 94 ainda zombam da sua falsa satisfação com a realidade.